As patranhas à volta do défice voltaram. Costa diz que é o “um resultado histórico e virtuoso”. Centeno afirma que “é uma conquista desta legislatura”, que “Portugal conseguiu virar a página da austeridade” e que “as profecias da direita falharam”. Ambos estão em êxtase e vangloriam-se deste valor – 0,5% do PIB. É impressão minha ou já vivemos este filme com a mesma histeria nos anúncios de Sócrates a poucos passos de uma bancarrota ?
Se visse seu vizinho que ganha o salário mínimo, cheio de dívidas, a comprar um Lamborghini, a fazer férias no Mónaco, a dizer que está cheio de dinheiro o que pensaria? Certamente diria que o tipo é um mentiroso, que jamais poderia ter aquele nível de vida se não se endividasse até ao pescoço e fizesse ainda calotes a toda a gente, certo? Então porque teima em acreditar que este magnífico défice feito às custas da falência técnica de todo um país com a suspensão dos pagamentos, cativações, retenção das pensões dos nossos emigrantes e aumento de impostos nunca vistos desde 1995, é verdadeiro?
O país está um caos. Os comboios estão a cair aos bocados; nos hospitais e escolas falta tudo; as estradas, pontes, viadutos, edifícios públicos estão a ruir; a (des)Protecção Civil mata em fogos florestais por via da colocação de “boys”sem qualificações e meios obsoletos; a polícia não tem gasóleo nem carros em condições sequer para fazer rondas; os transportes públicos são suprimidos por falta de manutenção; a emigração é elevada; o endividamento das famílias aumentou; a poupança caiu.
Se tudo o que foi varrido para “debaixo do tapete” fosse colocado nas contas do défice, teríamos um valor muito superior a 3-4% mas a UE permite cosméticas no apuramento do défice. Malabarismos contabilísticos que fazem com que possam levar umas despesas ao défice e outras já não. É o ilusionismo do costume que fez e faz de nós grandes aldrabões profissionais na Europa. Foi assim com esta marosca toda, que aderimos ao euro. Lembram-se?
Como pode uma dívida pública estar constantemente a subir e o défice ser historicamente baixo sem manipulação de números contabilísticos? Façamos um exercício simples: você em casa tem um desequilíbrio financeiro. Suas despesas são maiores que as receitas. Para equilibrar esse défice o que faz: 1. pede um aumento ao patrão? 2. tenta fazer mais entradas de receitas com horas extra ou um part-time aos fins semana? 3. corta nas suas despesas que não são de primeira necessidade? 4. deixa de fazer qualquer despesa não comprando quase nada e não paga contas seja de luz, água, renda e empréstimos?
Obviamente que não optou pela 4 hipótese, certo? Não optou porque sabe que isso não soluciona nada, pelo contrário, adia e agrava o seu défice, certo? Então porque aceita que Centeno o faça no país? A fórmula utilizada por este malabarista da treta é exactamente aquela que você rejeitaria a todo o custo para resolver seu défice doméstico. Pior: ele além de usar esse método, chama-o de “sucesso”. Não lhe parece estúpido?
Sócrates também anunciou “milagrosos” défices. Às portas de anunciar mais uma bancarrota, dizia: “o défice de 2,6% é o mais baixo da democracia portuguesa” e “está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor no défice do que eu”. Entretanto, em Maio de 2010 anunciava: “um esforço adicional a todos os portugueses” que se traduz em aumentos de um ponto percentual de todos os escalões do IVA até ao final de 2011. A taxa máxima passa para 21 por cento e a reduzida, que incide sobre bens de primeira necessidade (alimentos e medicamentos comparticipados) fica em seis por cento, enquanto o IVA sobre a restauração sobe para 13 por cento” (notícia Correio Manhã) e em Setembro de 2010: “José Sócrates anunciou esta noite o aumento do IVA para 23% e um corte de até 10% na despesa total de salários do sector público, entre outras medidas de austeridade aprovadas em Conselho de Ministros extraordinário (…) aumento de impostos, corte de salários e prestações sociais, congelamento de todo o investimento público até ao final do ano e redução do número de contratados na função pública (…) redução média da massa salarial dos funcionários públicos em 5% nos vencimentos entre 1.500 e 2.000 euros, a redução será de 3,5%. Nos escalões mais elevados, o corte chega aos 10% (…) ajudas de custo e horas extraordinárias também serão cortadas e termina a acumulação de pensões e vencimentos (…) as prestações sociais também serão sacrificadas, com a anulação do aumento extraordinário do abono de família e a redução em 20% do rendimento social de inserção” (notícia Jornal Sol).
Em resumo, Sócrates começou por anunciar défices espectaculares e acabou anunciando uma bancarrota pouco tempo depois. Desafio-o a encontrar as diferenças entre ele e Costa.
Entretanto, prepare-se para o embate. Pelo lógica da matemática, vem aí dias difíceis.